Acordou com aquela
estranha sensação de sempre, um incômodo, a garganta apertada,
sufocando. Em meio ao silêncio da madrugada que se encerrava, se
vestiu. Sem muito propósito, sem nem para quem ou onde, vestiu as
calças escolhendo uma não muito surrada. Uma blusa confortável e
os tênis de sempre, sujos e folgados. Saiu para encontrar o hálito
matutino sem nada para lhe forrar o estômago. Não tinha apetite. Já
a algum tempo não sentia muita coisa. Perambulou pelas ruas ainda
desertas –exceto pelos cachorros magros que reviravam as sacolas de
lixo. Pensou que os lixeiros haveriam de ter trabalho mais tarde. O
céu escuro começava, de longe, a clarear. Livrou-se do aglomerado
de prédios e concreto e chegou à praia, onde uma neblina ainda
impossibilitava ver o horizonte –mas não era problema, pois já
não havia um. As águas ainda rolavam e batiam furiosas contra a
areia. Sem tirar os tênis, pisou na areia fofa...passo a passo,
ouvindo o engraçado som do roçar da sola na areia, caminhou. A água
socava brutalmente os grãos enquanto seus pés se arrastavam até o
mar e sua respiração ficava mais intensa e rouca. A uns cinco
metros da água, parou: deu um último olhar em volta, como se desse
adeus a ninguém. Algo estourou em seu peito, como se há tempos
estivesse enclausurado, veio a vontade de correr, de se jogar.
Percorreu cinco metros com toda a vontade que jamais teve na vida e
se jogou. Entrou na água gelada e violenta e pôs-se a nadar. Nadou
até as pedras, onde o ódio do mar era ainda maior. Se deixou bater,
se deixou abater.
Escrito em: quinta-feira, 3 de setembro de 2009.