quarta-feira, 4 de julho de 2012

Rex, rei


 Encontrei-o assim, desnutrido, olhos sem vida, quase pelado, alguns ossos quebrados, uma sarna que lhe cobria do focinho à ponta do rabo e uma fome insaciável. Peguei-o com um mendigo na praça do centro da cidade que disse que ele acabara de ser atropelado, Meu coração mole ficou apertado e os olhos encheram d'água. Levei para o hospital, o que me custou quase duzentas pratas e levei pra casa. Ele fedia a lixo e estava um bocado encardido, mas não me importava. Alguns tiveram ânsia de vômito quando o viram, outros acharam loucura por trazer um trapo desses para dentro de casa. A verdade é que aquilo não se parecia com um cachorro, o mais próximo disso que chegava era a sombra. Parecia que se espirrasse lhe cairiam os pêlos que lhe sobraram e só ficaria o esqueleto por falta de carne. Era um trapo fedorento, quebrado, que mal respirava. Enfim, horroroso.
 Cuidei do trapo. Alimentei, dei remédios e banho. Ficava cada vez mais gordinho, cheio de vida e parecia também agradecido. Quando finalmente ficou parecido com um cachorro, pôde se ver como era diferente e bonito. A pelagem era cor de caramelo clara, os olhos eram de um amarelo claro e seu corpo era forte, um pouco tenso, com as patas e o peito robustos. Num dos últimos dias, a porta da cozinha estava aberta e ele veio devagarzinho procurando algo. Estava deitada no sofá e fingi que não o vi, esperando sua reação. Aos poucos ele foi entrando e ao me ver ficou parado, nossos olhos se cruzaram, o que o fez tomar coragem para prosseguir. Veio aos poucos até a beirada do sofá, colocou as patas dianteiras sobre ele e começou a subir desajeitado e parar deitado sobre minha barriga. Sem pedir permissão ficou ali, quietinho, como se quisesse apenas uma companhia.
 Alguns dias depois fui procurá-lo para a ração matinal. Não estava pelo quintal, então fui chamá-lo na rua, pois deveria estar revirando algum lixo. Chamei e sacudi o pote de ração. Desse dia em diante ele não mais apareceu. Ficou um vazio de uma lembrança distante, como se fosse feito de imaginação. Uma lembrança distante e boa, quase irreal, mas que ainda dói.